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Lei sobre identificação criminal é inconstitucional

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Por Sylvio Motta Identificação criminal no texto constitucional significa o registro, guarda e recuperaçãode todos os dados e informações necessários para estabelecer a identidade do acusado.Esse conceito não se confunde com a identificação — do qual é espécie —, que é oprocesso de se estabelecer uma identidade. A propósito, identidade é o conjunto decaracterísticas que distinguem uma pessoa da outra (arcada dentária, digitais, íris, voz,forma e cor dos cabelos, altura, sinais particulares, cicatrizes etc).Convém observar que a Carta Constitucional cria restrições à identificação criminal, nãose referindo à identificação civil.Portanto não há inconstitucionalidade se, determinadopor edital de concurso público, o candidato no momento da resolução da prova veja-seobrigado a identificar-se datiloscopicamente para o fiscal.Também é prudente perceber que a identificação criminal é um ato complexo e,portanto, resultado de um conjunto de atos isolados como o preenchimento de umboletim de vida pregressa, a identificação fotográfica de frente e de perfil e aidentificação datiloscópica para fins criminais.Sem dúvida que, de todos os sistemas de identificação (civil ou criminal), um dos maisseguros e mais utilizados é a identificação papiloscópica, que se utiliza das papilas, quenada mais são do que as curvaturas facilmente observadas em nossa pele. Ninguém temas papilas dos dedos iguais às de outra pessoa. Por isso, as impressões que elas deixamquando a pessoa toca em algo são excelente meio para sua identificação. Daí, seremchamadas de impressões datiloscópicas, já que “datilo” significa dedo, donde provém,por exemplo, o termo datilografia. O inciso LVIII do artigo 5º da Constituição, contudo,refere-se à identificação criminal como um todo (ao gênero), e não apenas a uma ououtra espécie, o que torna este inciso aplicável a qualquer meio de identificação.Por outro lado, Valdir Sznick faz observação interessante, ao dizer que a identificaçãocriminal, apesar da civil, dá à sociedade mais segurança e não só à sociedade, mastambém às autoridades policiais no cumprimento da sua função. Contudo, ele ressaltaque o problema da identificação criminal não se encontra nela em si. Sua finalidade élouvável. O problema está na forma como é conseguida. Segundo ele, o ritual utilizadona coleta das impressões digitais é desnecessário e vexatório, colocando o acusado emsituação desconfortável, o que torna o ato repugnante. Porém, apesar disto, o referidoautor concorda que a identificação criminal seja realizada nos acusados da prática docrime organizado, mesmo que já possuam identificação civil, uma vez que “o crimeorganizado, pela sua própria estrutura e funcionamento, usam inúmeros instrumentos emeios para a obtenção de seus objetivos” e entre eles, sem dúvida, o emprego dedocumentos falsos.O Princípio da Unidade da Constituição impede que o intérprete faça uma análise literaldo seu texto sem contextualizá-lo no conjunto e, sobretudo, no espírito que norteou olegislador constituinte.Dessa forma, ao nos depararmos com o inciso LVIII do artigo5º, percebemos que a intenção do constituinte foi de evitar, o quanto possível, aidentificação criminal, apenas admitindo-a em casos excepcionais, onde se justificassequer pela potencialidade ofensiva do delito imputado, quer pela ausência de qualqueroutra forma de identificação civil confiável.Portanto, estamos diante de um dispositivo constitucional de eficácia contida (ourestringível) onde a criatividade do legislador, ao regulamentá-lo, é bastante reduzida. Aregra geral — auto-aplicável — é a de que o civilmente identificado não será submetidoà identificação criminal, esta apenas ocorrerá, como ultima ratio, quando não sobrevieroutra forma de individualização do suspeito presumidamente inocente. Na verdadeenquanto a(s) lei(s) ordinária(s) não surgir(em), torna-se inexoravelmenteinconstitucional qualquer identificação criminal do civilmente identificado. E mais: a leisuperveniente deve ser razoável, ou seja, deve observar o princípio daproporcionalidade na sua acepção substantiva. Por exemplo: se uma lei ordinária,formalmente constitucional, determinar que o contraventor do jogo do bicho deve seridentificado criminalmente, ainda que civilmente identificado, tal lei, sem dúvidaalguma, seria inquinada de inconstitucionalidade material, não por afronta àinterpretação literal, mas antes por desrespeito à natureza da norma constitucional, que éde eficácia contida. Seria inadmissível que, a pretexto de regulamentar, o legisladorinfraconstitucional subvertesse o espírito da norma, transformando em regra geral o quea Carta exige seja exceção.Antes do advento da Lei 10.054, de 7 de dezembro de 2000, apenas o artigo 109 da Lei8.069/90 — o Estatuto da Criança e do Adolescente — e o artigo 5º da Lei 9.034/95 —que dispõe sobre o controle do crime organizado — permitiam, não sem algumasdúvidas quanto aos limites de suas aplicações, a identificação criminal do civilmenteidentificado.Portanto, a tarefa que se impõe ao operador do Direito minimamente comprometidocom o Princípio da Supremacia da Constituição é deveras complicada quando ele sedepara com alguns dispositivos da recente Lei 10.054/00. Isso porque algumas de suasnormas flexibilizam de tal forma a possibilidade de identificação criminal que, apretexto de regulamentar, mais parecem empenhadas em afrontar conquistasconstitucionais que, passados doze anos, já deveriam estar mais do que consolidadas,senão pelo povo, pelo menos pelo Legislativo.Por outro lado, essa leviandade, esse descompromisso com a Lei Maior que,infelizmente, parece perder para os oportunismos políticos, demonstra a nossainfantilidade perante a evolução dos Direitos e Garantias Fundamentais. É próprio dascrianças mudarem de opinião e de humores com facilidade, mas quando isso afetamilhões de pessoas, torna-se uma epidemia de descrença em valores que, uma vez emdescrédito, tornam impossível o crescimento de uma nação. Afronta-se a estabilidade ea segurança da relações jurídicas na mesma proporção em que a mídia, ávida desoluções pirotécnicas, interfere nas decisões governamentais e, até, na interpretação danorma constitucional. É dentro desse contexto de defesa intransigente da Supremacia daConstituição que passamos a comentar os dispositivos da lei como se apresentam.LEI No 10.054, DE 7 DE DEZEMBRO DE 2000.Dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providênciasO PRESIDENTE DA REPÚBLICAFaço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:Art. 1o O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele quepratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais tenhasido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente,serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico efotográfico.Parágrafo único. Sendo identificado criminalmente, a autoridade policialprovidenciará a juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos dacomunicação da prisão em flagrante ou nos do inquérito policial.O artigo 1º indica aqueles que deverão ser identificados, faz a ressalva do artigo 5º,inciso LVIII, da Constituição, e esclarece que a identificação criminal deverá abrangeros registros datiloscópico e fotográfico. Observe-se que existem outras formas deidentificação, que são possíveis e não foram vedadas pelo texto.Portanto, o artigo emcomento indica duas entre as várias formas de identificação, não excluindo outras, taiscomo as anotações de características, identificação pela íris, pela voz, DNA etc.Art. 2o A prova de identificação civil far-se-á mediante apresentação de documento deidentidade reconhecido pela legislação.O artigo 2º é útil em indicar que apenas os documentos reconhecidos pela legislaçãopermitirão ao indivíduo não ser identificado.Este dispositivo deve ser lido em conjuntocom a Lei 9.454/97.Observe-se que pairam sérias e contundentes dúvidas a respeito daconstitucionalidade da Lei 9.454/97, que parece remontar a algumas conhecidas práticasnazi-fascistas de propaganda e controle.Art. 3o O civilmente identificado por documento original não será submetido àidentificação criminal, exceto quando:I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra opatrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptaçãoqualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documentopúblico;II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento deidentidade;III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documentoapresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;IV – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;V – houver registro de extravio do documento de identidade;VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, suaidentificação civil.O artigo 3º, caput, estabelece a necessidade de que o indivíduo porte o documentooriginal. Assim, nos exatos limites legais, a cópia xerográfica do documento não impedea identificação. Embora irrazoável sob o aspecto da praticidade e avesso às inovaçõestecnológicas — vez que as cópias escaneadas ou fotográficas coloridas são quaseperfeitas —, o dispositivo previne fraudes e, bem ou mal, já elimina dúvidas quecertamente surgiriam sobre o tema.Em nossa opinião, o rol do artigo 3º é numerus clausus, ou seja, taxativo, não admitindooutras hipóteses ou ampliações. A aplicação analógica do artigo 109 do ECA —cumulado com o artigo 3º do CPP — fazia sentido antes da edição da Lei 10.054/2000,mas agora não faz mais sentido. Se o legislador quisesse novas hipóteses, as teriamencionado ou aberto esta possibilidade. Ademais, os incisos II a V já são abertos osuficiente para contemplar as hipóteses em que o bom senso indica a necessidade darealização da identificação independentemente da identificação civil.Outra hipótese curiosa é a aplicação da identificação criminal aos acusados deenvolvimento com organizações criminosas (artigo 5º da Lei 9.034/95). De fato, como aLei 10.054/00 dispôs integralmente sobre o tema, não seria incorreto entender que oartigo 5º da Lei 9.034/95 foi revogado.Veja-se que os acusados de integraremorganizações criminosas não foram relacionados no inciso I do artigo 3º. Não custariaao legislador acrescentar esta hipótese ou no inciso I ou em mais um novo inciso.Contudo, embora já tenhamos dito o quanto temos antipatia pela hipótese, asinterpretações lógica, teleológica e histórica nos indicam que houve “apenas” mais umcochilo do legislador e que o artigo 5º da Lei 9.034/95 continua em vigor. Em nossoentender, ele está errado (é inconstitucional), mas o legislador não quis excluir ahipótese, cabendo aqui, e apenas aqui, uma interpretação extensiva do artigo 3º e seuinciso I.O artigo 3º, inciso I, ao estabelecer a identificação criminal não em decorrência dadúvida sobre a validade da identificação civil mas sim em virtude da espécie deacusação, afigura-se nos inconstitucional. É a mesma discussão que travamos antes, aosustentar a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 9.034/95.A extensão da identificação compulsória genericamente a outras hipóteses, contudo,vem em favor do que já sustentávamos. Qual a lógica em um acusado de homicídio seridentificado criminalmente se a sua identificação civil é hígida e inquestionável?Aindaindicando a falta de lógica: um estelionatário não está sujeito a identificaçãocompulsória, mas um receptador pode estar.Importante notar que entendemos que o inciso I apenas se aplica diante da acusação nocaso em particular.Assim, alguém que esteja respondendo a algum inquérito ouprocesso por homicídio, se vier a ser posteriormente acusado ou preso por um furto,nem por isso poderá ser novamente identificado criminalmente neste segundo feito.Admitir isto seria entender que a partir de qualquer indiciamento ou acusação pelosdelitos referidos no inciso I o cidadão passaria a ter, indefinidamente, um carimbo deautorização para novas identificações criminais. E tal “carimbo” valeria até que fosseabsolvido. Isto não é razoável, sendo quase uma histeria pretender que, em virtude deacusações deste ou daquele delito, alguém passe a ter sua identificação civil desprezada.Além do mais, se fosse assim, a lei deveria prever também que aqueles que foramcondenados por tais delitos — por exemplo, falsificação — também passassem a estarsujeitos, eternamente, a novas identificações.Por tais razões, o inciso I, em nossoentender, só pode ser aplicado no caso específico, isto é, se a pessoa estiver sofrendoacusação pelo delito ali descrito naquele feito.O inciso I não menciona as organizações criminosas, mas já comentamos este pontoacima.Em nosso entendimento, em face do momento processual, posição administrativa eprincípios aplicáveis ao caso, mesmo que entenda pela inconstitucionalidade dodispositivo, a autoridade policial deverá proceder à identificação nas hipóteses do incisoI. Imagina-se, ainda, possível que o indivíduo faça uso do direito de ação para, sob ofundamento da inconstitucionalidade, não ser submetido a nova identificação, caso emque o Judiciário dará solução para a questão.O artigo 3º, inciso II, bem como no inciso III, demandará da autoridade afundamentação, caso a caso, de quais são as fundadas suspeitas ou qual aimpossibilidade de identificação dos caracteres essenciais.Por sua redação aberta, estesincisos oferecem ao Estado, através dos seus agentes, instrumental mais do quesuficiente para evitar que o salutar artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição sirva comoimpedimento para o sucesso na atividade de combate ao crime.Dizemos “salutar” poiscremos que, apesar das dificuldades que cria, o artigo 5º, inciso LVIII, é bom no sentidode proteger o cidadão, já que o Estado deve zelar para que a identificação civil sejaclara, segura e eficiente o suficiente para substituir a identificação criminal. Afinal, adistinção entre identificação civil e criminal é artificial. Há apenas uma identificação,que é a da pessoa, qualquer que seja o caso em tratamento — civil, penal, trabalhista,administrativo etc.O artigo 3º, inciso IV, é interessante por prever hipótese não rara na seara policial. Aúnica cautela é a de que estes outros nomes ou qualificações sejam suficientementecruzados com os dados disponíveis do preso ou indiciado de modo a indicar a suspeitade que ele utilize múltiplas identidades.O fato de serem mencionados “registrospoliciais” é importante. Esta hipótese de exceção ao artigo 5º, inciso LVIII, só é válidase existirem registros prévios, não bastando dúvidas ou insinuações surgidas nomomento da prisão. As dúvidas no momento da prisão que permitem a identificaçãocriminal estão descritas noutros incisos — II, III e V —, ao passo que no caso do incisoI — que determina a identificação compulsória —, não há sequer a necessidade dedúvida, bastando a natureza da acusação.O artigo 3º, inciso V, prevê a hipótese de apresentação de documento cujo extravio tiversido registrado. O extravio não pode ser suposto, imaginado ou coisa semelhante. Épreciso registro prévio.Agora, em virtude da lei, o cidadão que perder um documentodeverá adotar a cautela de noticiar a solução do problema para não estar sujeito àidentificação criminal. A autoridade deverá tomar cuidado para não submeter àidentificação criminal aquele que perdeu seu documento e, frustadas as tentativas dereencontrá-lo, tiver providenciado uma 2ª via. Seria realmente risível que aqueles queperderam um documento de identidade passassem a, por este motivo, estaremeliminados da garantia constitucional.O artigo 3º, inciso VI, suscita alguma perplexidade. Se o indivíduo não apresentar suaidentificação civil original, será naturalmente submetido à identificação criminal. Oartigo 5º, inciso LVIII da Constituição, e o 3º da lei em comento, existem apenas paraaqueles que possuem identificação civil. Se houver suspeita de que a identificaçãoapresentada não é válida, não cabe conceder prazo de 48 horas, mas sim aplicar o incisocabível do artigo 3º. Se o indivíduo alegar que possui identificação civil e não aapresentar por original, também cabe a identificação criminal (caput do artigo 3º).Podemos imaginar que uma pessoa conduzida a uma delegacia sem que esteja com suaidentidade original tenha a oportunidade de pedir a alguém que a leve até ao distritopolicial ou que seja conduzido até sua casa ou local de trabalho para buscá-la, mas nãoimaginamos que o prazo de 48 horas seja cabível neste caso.Anote-se que a lavraturado flagrante, se for o caso, tem prazo menor.Também não parece normal que, quandopairem dúvidas a respeito da identidade do indivíduo, o mesmo tenha 48 horas paracomprová-la, ou, quem sabe, escafeder-se.Assim, sobre a aplicação deste incisoconfessamos nossa dúvida, que esperamos irá desaparecer com o passar do tempo e aconsideração a respeito do que sobre ele disser a doutrina e os tribunais.Art. 4o Cópia do documento de identificação civil apresentada deverá ser mantida nosautos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em quantidade devias necessárias. Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Brasília, 7 de dezembro de 2000; 179o da Independência e 112o da República.FERNANDO HENRIQUE CARDOSOJosé GregoriO artigo 4º faz menção à juntada de cópia do documento no auto de prisão ou inquérito.Mais importante ainda é a providência da autoridade no sentido de fazer juntar aos autosas demais informações e registros sobre o indivíduo, constantes no instituto deidentificação. Tais dados não precisam ser novamente colhidos do indivíduo, maspodem e devem ser trazidos para os autos para subsidiar as investigações e a descobertada verdade.Sendo lei recente, certamente a doutrina e a jurisprudência, bem como o enfrentamentopelos operadores jurídicos das questões decorrentes da aplicação prática da mesma, embreve trarão maiores luzes e lições sobre o tema.Postado por: Antônio TadeuNotícia adicionada em: 4/3/2009 11:29:06 PM

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