Do Setor de Jornalismo APPES/FENAPPI
Na forma do que preceitua o vigente Código de Processo Penal:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
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Este comando do Código de Processo Penal é automático e, portanto, independe de qualquer interferência outra a não ser o que a dicção da própria norma indica, ou seja: na ocorrência de um crime que deixe vestígios o exame de corpo de delito obrigatoriamente deve ser realizado, não comportando requisições ou qualquer outra forma de “ordem” explícita ou implícita que venha a dizer o que a norma já impõe.
Não comporta ingerências por um motivo muito óbvio: submete a análise técnico-científica a comandos estranhos à Perícia Oficial, retirando dos peritos oficiais a análise puramente científica das provas nos crimes que deixam vestígios, remetendo a uma análise jurídica dependente da “ordem” emanada.
Trazendo para o bom Português, seria o caso dos típicos ‘agarrar no gol’, subir pra cima’, descer pra baixo’, ‘entrar pra dentro’ e outros pleonasmos mais. E não teria muita importância acaso não fosse uma indevida e disfarçada ingerência na autonomia funcional da Perícia Oficial.
Os crimes denominados não transeuntes ou de fato permanente são aqueles que deixam vestígios materiais, tais como o homicídio, as lesões corporais, os crimes contra a honra praticados por escrito, etc. Nos crimes não transeuntes, a falta de exame de corpo de delito acarreta a nulidade da ação penal.
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
(…)
b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;
“Segundo o conceito insculpido no princípio Pas de Nullité Sans Grief, consagrado no art.563 do CPP, mediante o qual nenhum ato será declarado nulo, se de tal nulidade não resultar prejuízo para a defesa ou para a acusação. A acusação resta esvaziada, pois deixou prescindir a prova técnica, bem como a defesa fica precária, uma vez que a demora na feitura do exame, imputável exclusivamente ao Estado investigador, não pode sobrecarregar unilateralmente o acusado, sobretudo sobre o seu direito constitucional de ampla defesa”.
Retrocedendo à época anterior ao ano de 1941, data da publicação do vigente Código de Processo Penal, o “novo” Código que está em vias de ir para publicação trazendo a seguinte redação na parte da prova pericial, submetendo a autonomia funcional da Perícia Oficial a requisições ‘pleonásticas’ afastadas do caráter automático e científico da análise da prova pericial:
Art. 201. As perícias serão realizadas por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1º – Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 2º – Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§ 3º – Será facultada ao Ministério Público, ao assistente de acusação, à vítima, ao querelante, ao indiciado e ao acusado a formulação de quesitos no prazo de 5 (cinco) dias, contados da nomeação do perito.
§ 4º – O exame pericial será requisitado pela autoridade competente ao diretor do órgão de perícia.
Art. 202. Os peritos exercerão suas atividades com autonomia técnica, científica e funcional, podendo utilizar todos os meios e recursos tecnológicos necessários à realização da perícia, bem como pesquisar vestígios que visem a instruir o laudo pericial, e ainda:
I – requerer à autoridade competente os documentos, dados e informações necessários à realização dos exames periciais;
II – solicitar serviços técnicos especializados e meios materiais e logísticos de outros órgãos públicos;
III – solicitar auxílio de força policial a fim de garantir a segurança necessária à realização dos exames.
(…)
Art. 206. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Está criada no Brasil, e no caso se está analisando unicamente o CPP, a ‘autonomia funcional’ por requisição. Algo do tipo: ou ‘agarra no gol’ ou ‘morre’ – a ‘autonomia funcional’ pra ‘inglês ver’.
Em pleno século XXI, o legislador parece não estar informado que a obrigatoriedade do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios se trata de um comando tanto jurídico quanto técnico-científico. Jurídico, dirigido a todos indistintamente, de forma automática; técnico-científico, dirigido aos peritos oficiais. A mais pura essência da ampla defesa.
“Os vestígios constituem-se, pois, em qualquer marca, objeto ou sinal sensível que possa ter relação com o fato investigado. A existência do vestígio subentende a existência de um agente que o causou ou contribuiu para tanto e de um suporte adequado para a sua ocorrência (local em que o vestígio se materializou)”.
“Autonomia é uma palavra de origem grega, auto e nomos, na qual auto significa sozinho, por si só e nomos significa lei, norma, ou seja, em sentido amplo, autonomia significa aquele que segue as próprias leis, aquele que toma suas próprias decisões sem interferências externas”. Na lição de José Afonso da Silva, como princípio, a autonomia funcional é “a autonomia institucional, refere-se à instituição”, à Perícia Oficial. E, por consequência, a todos os seus integrantes.
A autonomia funcional não comporta requisição e, portanto, ingerências ambíguas. Primeiro, porque requisição no caso se trata juridicamente de um pleonasmo – uma determinação para fazer o que a lei já prevê que se faça -; segundo, porque submete os peritos oficiais e o levantamento de provas periciais a interesses apartados dos puramente científicos e equidistantes dos fatos, revelando-se um cabresto inquisitorial sobre a Perícia Oficial.