Afinal, por que motivos somente delegados podem dirigir as comissões instaladas para investigar as condutas administrativas dos policiais, tanto as de sindicância quanto as administrativo-processuais?
O Estatuto dos Policiais afirma que as comissões podem ser compostas por policiais de nível igual ou superior ao do investigado. Por que razão, então, somente delegados podem julgar os policiais e todas as comissões são sempre compostas e dirigidas por delegados?
Estabelece o Estatuto dos Policiais que:
“Art. 215– A instauração da sindicância se iniciará com a designação do sindicante, a quem caberá promover a elucidação dos atos ou fatos ilegais ou administrativamente ilícitos.
§ 1º – A designação do sindicante será feita no próprio relatório em que se formalizar a acusação e deverá recair em funcionário de igual ou superior hierarquia da dos sindicados.
(…)
Art. 218– O processo será promovido por uma comissão de 3 (três) funcionários policiais efetivos, especialmente designados, devendo o presidente ser de nível hierárquico igual ou superior ao do indiciado e ocupante, de preferência, do cargo de Delegado de Polícia.
Art. 219– Compete ao Conselho de Polícia Civil a designação da Comissão de Processo Disciplinar.”
Portanto, nada impede que os policiais façam parte das comissões de sindicância e de processos administrativos, dirigindo-as. Pelo contrário, para que fosse observada a imparcialidade e a equidade, o ideal seria que as comissões fossem constituídas de policiais da mesma hierarquia dos policiais indiciados ou processados administrativamente.
A indicação apenas de delegados pelo Conselho de Polícia para dirigirem as comissões de sindicância e processos parece refletir um ranço costumeiro arraigado na Instituição e um reconhecimento implícito da incapacidade dos policiais para julgarem seus pares.
Mas, na verdade cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Ou seja, a indicação somente de delegados para as comissões se traduz numa prática antidemocrática, pois muitos se portam como prepostos incondicionais dos governos, desconsiderando as peculiaridades dos integrantes de cada cargo.
A expressão “de preferência” contida no art. 218 não significa “permanentemente”. Ela foi transformada em permanente ao longo dos anos. Entretanto, somente um integrante de um cargo pode sentir na pele os infortúnios que outro integrante do mesmo cargo pode passar.
Além disso, um policial, que não delegado, tende a colocar na balança todos os aspectos que sofrem os seus pares, principalmente os psicológicos e trabalhistas, podendo sopesar tantos quantos forem necessários para a tomada de uma decisão mais justa, nos casos de infrações disciplinares.
Tanto policial formado em tanto curso universitário e nenhum deles parece ter competência, na visão do Conselho de Polícia, para comandar uma reles comissão de sindicância ou de processo. Será que isso é reflexo da história interna da Instituição ou os policiais são mesmos considerados um zero à esquerda na mentalidade dos seus “juízes”?
Já passou da hora das representações dos policiais apresentarem a um deputado estadual um projeto de lei que tente alterar esses artigos da Lei 3400, obrigando que as comissões de sindicância e de processo administrativo sejam compostas por policiais do mesmo nível hierárquico daqueles que estão sendo investigados e julgados.
Como dizem muitos estudiosos das polícias, a única instituição pública que não passou por um processo de amadurecimento democrático e análise de sua estrutura, após o fim da ditadura, foi a polícia.
E para democratizar a instituição policial é necessário rever toda a legislação aplicada aos policiais, que data do auge da ditadura, e de seu uso para perseguições políticas, que ainda perduram desde os anos de exceção.
E o massacre dos direitos dos policiais não foge à regra!