Por Elimar Côrtes (republicando)
O Departamento de Identificação da Superintendência de Polícia Técnico-Científica do Espírito Santo (SPTC) sempre foi um dos setores mais importantes dentro da estrutura da Polícia Civil. O trabalho de seus peritos papiloscópicos ganhou a mídia internacional nas últimas semanas, depois do acidente na plataforma Cidade de São Mateus, em Aracruz, em que nove trabalhadores morreram.
Dos nove corpos retirados de dentro do navio plataforma da empresa “BW Offshore”, que prestava serviço para Petrobrás, cinco chegaram ao Departamento Médico Legal (DML) de Vitória completamente irreconhecíveis, seja pelo efeito físico-químico da explosão ou pelo estado avançado de decomposição. Em relação a esses cinco corpos, a entrega deles aos familiares para o sepultamento só foi possível a partir de um minucioso trabalho pericial, que exigiu conhecimento, técnica, paciência e, sobretudo, dedicação à profissão.Os nove corpos foram identificados pelo Setor de Necropapiloscopia do Departamento de Identificação da SPTC, onde atuam quatro profissionais. As vítimas foram identificadas por meio das impressões digitais, que, diferente do que os leigos acreditam, não se apresentam somente nos dedos das mãos.
“Nossos peritos realizaram um trabalho brilhante e impressionante. Havia pressões por parte de todos – empresas, familiares, imprensa – para que a identificação fosse feita rapidamente. O que é cabível, afinal, quem mais sofre é a família dos mortos. Mas nosso superintendente, o delegado Danilo Bahiense, nos pediu apenas que fizéssemos o nosso trabalho. Em momento algum ele nos pressionou”, pontuou a chefe do Departamento de Identificação da SPTC, Karla do Nascimento Lucas. “A Petrobrás também nos ajudou ao fornecer imediatamente os nomes dos trabalhadores desaparecidos no mar por conta do acidente. A partir dos nomes, iniciamos o processo de identificação oficial, que exige muita perícia”, completou.
Um dos responsáveis pela identificação dos corpos, o perito papiloscópico Pablo de Araújo Ferreira explica que, primeiramente, foi preciso realizar a análise dos corpos, para depois se decidir qual técnica seria utilizada pelos peritos: “Esta análise foi importante para que pudéssemos recuperar o material epitelial e estabelecer os procedimentos que usamos para revelar a impressão digital”, disse Pablo Ferreira.
Em outros estados, onde as técnicas e equipamentos da perícia papiloscópica – na área civil ou criminal – são mais avançadas, a impressão digital também é coletada de outras partes do corpo, como planta dos pés e palma das mãos, o que possibilita um processo pericial de identificação humana mais abrangente. No Espírito Santo, porém, se coleta a impressão somente dos dedos das mãos, da denominada falange distal (tecido que fica nas extremidades dos dedos, tanto das mãos quanto dos pés).
Os primeiros cinco corpos das nove vítimas fatais da explosão na plataforma Cidade de São Mateus foram identificados por uma técnica simplificada – Técnica de Entintamento. “Utilizamos o sistema de revelação da impressão digital de forma direta, isto é, sem um tratamento prévio para a recuperação do material epitelial”, diz o perito Pablo.
Já os outros quatro corpos estavam em decomposição avançada, chegando à fase em que as epidermes tinham sido perdidas. Neste caso, os peritos papiloscópicos utilizaram outras técnicas, dentre elas, a exérese dos dedos dos corpos que continham material epitelial. “O nono e último corpo chegou ao DML somente com dois dedos passíveis de análise. Iniciamos o tratamento efetuando a exérese dos dedos. Após o trabalho preliminar, passamos às primeiras coletas e a colocação desse material em um tratamento de hidratação. Uma semana depois, verificamos que os dedos estavam se deteriorando cada vez mais. Então, suspendemos o processo e voltamos a analisar as impressões dos dedos que foram reveladas após o tratamento preliminar, no primeiro dia que o corpo chegou ao DML”, explicou Pablo Ferreira.
“Hoje, sem os 10 dedos e sem um nome da possível vítima de um corpo em decomposição, a pesquisa datiloscópica fica extremamente difícil mesmo que o RG (Registro Geral) da pessoa seja do Espírito Santo”, esclareceu Pablo Ferreira. “Se tivéssemos aqui um sistema conhecido como AFIS – Sistema Informatizado de Impressão Digital – aplicado à área civil, a pesquisa ficaria mais rápida”, completou o perito papiloscópico. “O AFIS diminui o campo de pesquisa, apresentando um leque menor de pessoas com impressões digitais com minúcias semelhadas”.
Outro trabalho importante desenvolvido na última semana pelo Setor de Necropapiloscopia da SPTC foi a identificação da ossada de um homem, encontrada em Morada da Barra, Vila Velha, em 2009 e que ainda estava na geladeira do DML. Devido a grande demanda do DML e de toda perícia, o corpo ficou na geladeira para ser analisado pelo Serviço de Antropologia.
A identificação foi feita pelo perito papilocópico Marcos Antonio Pinheiro e foi possível devido ao fato de ter passado por um processo transformativo conservativo nas mãos e pés, o que permitiu, mesmo seis anos mais tarde, identificá-lo através de suas impressões digitais.
O perito papiloscópico Marcos Pinheiro, analisando o corpo, optou por realizar a exérese do dedo polegar direito e tratá-lo para, em seguida, efetuar a revelação da impressão digital desta falange distal.
Quando foi encontrado em 2009, o corpo já estava na condição esqueletizada. Mesmo assim, vestia uma camisa. Dentro da camisa, que foi guardada pelo DML (junto ao corpo), os peritos encontraram cópia de um Boletim de Ocorrência (BO) de perda de documentos em nome de um cidadão, à época com 28 anos, natural da Bahia.
“Com o nome do cidadão no Boletim de Ocorrência, descobrimos que ele era de Teixeira de Freitas e solicitamos ao Instituto de Identificação Pedro Mello, do Estado da Bahia, a cópia do prontuário civil desse nacional. Diante do resultado dos exames comparativos realizados aqui em Vitória, constatamos se tratar da mesma pessoa”, disse o perito papiloscópico Pablo Ferreira.
Ele e seus colegas trabalharam por sete dias na investigação para identificar e localizar os familiares do cidadão na Bahia. Após contato com a assistente social da Prefeitura de Teixeira de Freitas, pediram ajuda para que fosse comunicado o fato aos familiares, que desconheciam que o rapaz, que havia saído da Bahia para trabalhar no Espírito Santo, estava morto.
“Realizamos aqui também um trabalho social”, destaca Pablo Ferreira, que completa: “Por isso, entendemos ser muito importante que os adolescentes façam sua Carteira de Identidade (RG), atividade meio do perito papiloscópico, para que possam ter registro civil nos órgãos estatais”.
Exames facial e de crânio ajudam a identificar assaltante
Outra técnica usada e aprimorada pelo Departamento de Identificação está dentro da Seção de Prosopografia. Segundo o site Infopédia, o sufixo nominal “prosopo”, de origem grega, exprime a idéia de rosto, face. No âmbito forense, trata-se do ramo de atuação pericial no âmbito da Representação Facial Humana (RFH) que faz a análise das medidas e características craniométricas para identificação humana. Assim, Prosopografia, ou Reconhecimento Facial, é a aplicação de técnicas científicas comparativas de figuras humanas, especialmente no confronto das faces, visando identificação de imagens questionadas, em confronto com imagem padrão.
Uma das peritas papiloscópicas da Seção de Prosopografia, Juliana Arósio Sales lembra, dentre diversos exemplos, de uma perícia feita pelo setor que ajudou a Polícia Civil a identificar o suspeito de um assalto. No local do crime não foram encontradas impressões digitais do assaltante, mas parte da ação foi documentada pelas imagens das câmeras da empresa. As imagens, entretanto, não eram muito nítidas. O delegado responsável pelo caso, porém, possuía a foto de um dos suspeitos.
“O delegado enviou a foto para que fosse realizado o confronto com as imagens do circuito interno de TV. Havia, então, duas imagens: a padrão, que é a foto do suspeito; e a questionada, da câmera de TV. Após análises das medidas craniométricas e das características faciais do suspeito e diante da foto e das imagens de TV e de acordo com os exames, constatou-se as mesmas medidas e emitimos o laudo para declarar a compatibilidade”, explica Juliana Sales.
O Departamento de Identificação da Superintendência de Polícia Técnico-Científica possui ainda a Seção de Perícia Externa. É nesse setor onde ficam os peritos que vão ao local do crime, que só se deslocam quando são acionados, o que nem sempre acontece, ora por demora das vítimas em comunicar o roubo ou furto ou do imóvel, ora pela grande demanda que gera atraso no atendimento do chamado. Quanto mais cedo é feita perícia num local de furto, por exemplo, mais chances de elucidação.
Peritos reivindicam laboratório para exames necropapiloscópicos
Os peritos papiloscóspicos da Polícia Civil do Espírito Santo reivindicam que o governo construa um laboratório para exames necropapiloscópicos, que já existe em Alagoas, por exemplo. O laboratório é responsável pela identificação de pessoas mortas encontradas sem nenhum tipo de documentação, por meio da produção da prova técnica científica.
Segundo Juliana Arósio Sales, quando os exames necropapiloscópicos são realizados e a identificação é feita, o laudo emitido, além das informações civis do cidadão em questão, informa e existência de mandado de prisão em aberto, os antecedentes criminais no Estado e em outras regiões do País e se ele já havia se identificado com outros nomes (algo muito comum em se tratando de assaltantes e estelionatários).
“Ideal seria se todas as vítimas de morte violenta passassem pelo exame necropapiloscópico. O exame determina o histórico criminal e civil da vítima”, diz Juliana Sales;
Há mais vantagens nesse tipo de exames. No âmbito civil, a identificação realizada pelo laboratório tem implicações até mesmo no direito sucessório; na área criminal a identificação ajuda na investigação da Polícia Civil; e no aspecto social o exame identifica pessoas desaparecidas para seus familiares. O resultado de um exame ainda permite o bloqueio da identidade dos mortos para não serem utilizadas em falsificações. E, no âmbito do Poder Judiciário, o exame de necropapiloscopia evita perda de tempo com a extinção de processos cujas pessoas estejam mortas.
O Departamento de Identificação da Superintendência de Polícia Técnico-Científica é responsável também pela gestão de antecedentes criminais dos cidadãos. “Hoje, o cidadão preso passa pela identificação criminal, procedimento no qual são coletadas suas impressões digitais e fotografias, quando não apresenta documento ou houver algum outro motivo autorizado na lei, como suspeitade documento falsificado, por exemplo. Esse procedimento é regular na Grande Vitória, mas no interior é mais difícil, pois poucos municípios capixabas têm peritos de Identificação, o que faz com que muitos presos não passem pela identificação criminal e deixem de ter seus dados biométricos coletados”, disse Juliana Sales.