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Prisão processual sob a visão de um procurador da república

Problemas do PLC 111/2008 (altera prisão processual)

 
O PL restringe excessivamente os casos de cabimento da prisão processual, inspirado em visão demasiado paternalista pró-réu na ação penal.

O requisito da pena máxima superior a quatro anos (art. 313, inciso I) deixa grande quantidade de crimes de fora da possibilidade de ensejar a prisão preventiva. Os réus poderão continuar a delinquir livremente e não poderão ser presos por isso. Integrantes de quadrilha, por exemplo, não poderão ser presos preventivamente por esse delito, pois sua pena máxima é de três anos.

O outro lado: Organizações comemoram sanção do PL 111/08 (clique)

Tampouco poderão ser presos os autores de furtos simples e contrabando (pena máxima de quatro anos), ainda que se trate de criminosos habituais.
O projeto não considera o Ministério Público responsável pela garantia da legalidade, pois não prevê comunicação da prisão ao órgão (como fazem as leis federais que tratam do MP – Lei Complementar n.º 75/93 e Lei n.º 8.625/93), mas apenas ao juiz e à defensoria pública ou ao advogado do preso (art. 306, § 1.º).
O mesmo art. 306, § 1.º, exige a remessa do auto de prisão em flagrante, sempre que o preso não indicar advogado, à defensoria pública (DP). A norma é inconstitucional, pois a comunicação à DP deveria ocorrer apenas no caso de réus pobres, para cuja defesa a Constituição criou a defensoria (art. 134).
Pelo projeto, a DP precisaria analisar autos de prisão de réus de classe média e alta, se não tiverem advogado constituído. Isso desvia a defensoria de sua missão constitucional, que ela não consegue cumprir por falta de recursos humanos.
O projeto descumpre o princípio acusatório, que a Constituição prevê no art. 129, I. O art. 311 do CPP manteria a possibilidade de prisão preventiva de ofício, ou seja, mesmo sem (ou até contra) a provocação do autor da ação penal, que é o Ministério Público. Isso é lesivo à defesa dos direitos fundamentais, que, contraditoriamente, a exposição de motivos do PL afirmar querer proteger.
O mesmo se diga da possibilidade de prisão a partir de representação da polícia, que não deve ter capacidade postulatória, pois não é parte na relação processual penal. Entre as “medidas cautelares diversas da prisão”, o art. 319, inc. IV, prevê autêntica piada. Estabelece que, no caso de indícios de o réu pretender fugir, o juiz poderá decretar a “proibição de ausentar-se da comarca para evitar fuga”.
Ora, se há elementos para fazer crer que o réu pretende fugir, alguém poderá imaginar que essa inócua proibição terá alguma efetividade? O caso seria de prisão preventiva para garantir aplicação da lei penal. Já no inc. V do art. 319,que trata do “recolhimento domiciliar”, o PL cria mecanismo mais suave do que a prisão domiciliar do art. 317, cujos requisitos são mais restritos.
Na verdade, como os Estados e a União não possuem meios de fiscalizar esse recolhimento, trata-se de mera ficção que o legislador resolveu criar, a fim de enganar os ingênuos e os desavisados, para gozo dos acusados. Por fim (embora haja outros problemas), o art. 319, VII, estabelece que, se o réu obstruir o andamento do processo ou descumprir ordem judicial, apenas deverá o juiz fixar fiança.
Em outras palavras, quem tiver disponibilidade econômica poderá ignorar as decisões judiciais e livremente atrapalhar o processo, desde que pague as fianças que lhe forem fixadas.
O projeto, portanto, consagra a desmoralização do Poder Judiciário. Melhor seria para o país se a presidente da República vetasse integralmente essa infeliz iniciativa.
 
Por Wellington Cabral Saraiva, Procurador Regional da República.

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