Violado o Contrato Social pela prática de um crime, surge para o Estado o poder-dever de punir o seu responsável. Tal atividade denomina-se persecução penal, que se divide em duas fases, quais sejam, pré-processual e processual. A primeira, em regra, ocorre no âmbito da Polícia Civil e a segunda, obrigatoriamente, no seio do Poder Judiciário.
Bacharéis em Direito, dois agentes do Estado, constituídos por concurso público, delegado e juiz, cada um a seu tempo e no exercício de suas atribuições, são os responsáveis pela presidência da persecução penal, respectivamente, por meio do inquérito policial e do processo criminal. Ambas as fases são importantes para a apuração do crime e da consequente aplicação da justiça, tanto para a absolvição do inocente quanto para a condenação do culpado.
Como é sabido, nas duas instâncias de apuração do crime são produzidas provas. E a constituição de um elemento como prova não depende da instituição pública em que ocorreu, se na Polícia ou no Judiciário. O importante é analisar a carga de verossimilhança que tal elemento carrega. Pensar o contrário é correr o risco de entrar em choque frontal com a realidade, pois cinco testemunhas podem muito bem narrarem mentira em juízo, ao passo que uma testemunha, em sede policial, pode perfeitamente trazer a verdade à tona.
Assim, inaugurando a persecução criminal, a Polícia Civil, mediante o inquérito policial empreende diligências visando a elucidação do fato criminoso, com a colheita da prova da materialidade e dos indícios de autoria e/ou participação.
O inquérito policial é o esqueleto da ação penal, pois, em regra, as provas nele colhidas repetem-se em juízo. Corolário: um inquérito policial substancioso de provas tem grande probabilidade de gerar uma ação penal exitosa.
Como manda a lógica, qualquer elemento probatório – principalmente a prova oral -, colhido no momento mais próximo à concretização do delito, guardará maior fidelidade à verdade fática. Com o passar do tempo, em razão de esquecimento, confusão, autossugestão, sugestão de terceiros, receio, emprego de coação por parte de pessoas ligadas aos sujeitos do crime, a verdade tende a se esvair. É a máxima locardiana: "o tempo que passa é a verdade que foge".
Assim, no que concerne à valoração das provas, apresenta-se com significativa importância o que os franceses denominam de “depoimento em bruto”, aquele colhido logo após o crime, no calor dos acontecimentos, em que as testemunhas demonstram, por meio dos cinco sentidos, o que de fato ocorreu.
Resulta evidente que os elementos probatórios colhidos no âmbito da polícia são de extrema valia para a aplicação da justiça, mormente no que se refere ao Tribunal do Júri em que vigoram o princípio da soberania dos veredictos e o sistema da íntima convicção dos jurados, cuja decisão é imotivada.
Por isso, o Conselho de Sentença pode considerar o inquérito policial não apenas como uma das provas, senão a principal prova de demonstração de todas as circunstâncias do crime.
Com efeito, o estratagema, não raro utilizado por defensores perante o Conselho de Senteça, em buscar desacreditar e desqualificar a prova policial deve ser visto com extrema reserva e crítica, isso porque o delegado de polícia, como agente público, detém fé pública, presumindo-se legítimos e legais os atos por ele praticados.
Por oportuno, com autorização do artigo 3º do CPP, importa lembrar o conteúdo do artigo 364 do CPC: “O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião ou o funcionário declarar que ocorreram na sua presença”. Essa presunção só pode ser afastada mediante a comprovação de vício na sua atuação. E o ônus de demonstração desse vício incumbirá a quem o alegar.
Portanto, não basta afirmar, levianamente, que a prova foi colhida mediante coação ou fraude para arrostar sua incidência, pois torna-se imperiosa a comprovação de vício na sua produção. Do contrário, o elemento probatório tem força o bastante para servir de base para o julgamento da causa penal.
Ademais, no que tange à afirmação leviana em detrimento do trabalho policial, vale ressaltar que o ato de imputar crime a alguém, sabendo-o inocente, é passível de responsabilização criminal (artigo 138 ou 339 do CP, a depender das circunstâncias).
Para os defensores da tese de que a validade da prova depende do contraditório e da ampla defesa em sua formação, excluindo, por conseguinte, o contido no inquérito policial, vale lembrar que, conforme o artigo 232 do CPP, esse procedimento administrativo conserva, no mínimo, a natureza de prova documental. Isso significa dizer que o depoimento de testemunha colhido na polícia é, sim, prova, seja para absolver, seja para condenar.
Não bastasse isso, a lei não distingue a falsidade testemunhal ocorrida na polícia daquela praticada em juízo, pois ambas ostentam a mesma importância, conforme dispõe o artigo 342 do CP. Logo, não é difícil concluir que o Estado zela pela idoneidade da colheita da prova em ambas as fases da persecução penal, valorando-a em pé de igualdade.
É bom lembrar ainda que qualquer elemento probatório, produzido em alguma das fases da persecução penal, para fazer prova de algo, deve estar em consonância com o conjunto de provas residente nos autos, sob pena de ser imprestável.
Pode-se inferir, então, que a prova colhida na polícia tem igual valia daquela produzida em juízo, já que sua valoração deve ocorrer em razão de seu conteúdo, da sua harmonia com o conjunto de provas e não do lugar em que foi constituída.
Essa conclusão tem grande repercussão na aplicação da justiça, principalmente nos julgamentos afetos ao Tribunal do Júri, em que os jurados, batizados pelo princípio da soberania dos veredictos, decidem pelo sistema da íntima convicção, valendo-se da inteligência (intuição somada à reflexão), com a observância da lição que vem da Itália: "a rainha das provas é a lógica humana". E essa lógica pode perfeitamente ser extraída do inquérito policial.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça (MT)
Fonte: promotor de justiça