Só quatro peritos atuam por dia nas ruas da Grande Vitória
19/05/2012 – 14h25 – Atualizado em 19/05/2012 – 14h25
A Gazeta
Claudia Feliz
cfeliz@redegazeta.com.br (Fonte: gazeta on line)
Nestes tempos cada vez mais inseguros, um fato tem despertado insatisfação e indignação em muita gente: a falta de estrutura e, muitas vezes, de empenho da polícia para apurar crimes contra o patrimônio. E eles não são poucos. Somente nos três primeiros meses deste ano, em seis dos sete municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória, foram registrados 2.507 furtos e roubos – média de 28 por dia.
A maior incidência foi na Serra, onde aconteceram 726 crimes no período, seguida de Vila Velha (515), Vitória (513), Cariacica (378) Guarapari (297) e Viana (78).
Investigação
Num Estado onde falhas na apuração já comprometeram até a identificação de assassinos – prova disso são os 15 mil inquéritos de homicídios que tiveram que ser revistos, na tentativa de busca de culpados – quem tem a casa ou o estabelecimento comercial arrombado ou assaltado, muitas vezes, vê seu caso relegado a segundo plano.
Entre as causas, está a falta de estrutura na área de perícia. Para se ter uma ideia, só dois peritos papiloscópicos – profissionais que vão aos locais de crime para colher amostras de impressões digitais – atuam no plantão diário da Polícia Civil, na Grande Vitória em crimes contra a vida e contra o patrimônio.
Já para a realização da perícia criminal – estudo técnico-científico com diagnóstico do local do crime – só existem cinco peritos em atuação nas ruas de todo o Estado, por dia – dois na Capital e três no interior.
O superintendente de Polícia Técnico-Científica, Guilherme Daré, lembra que a perícia só pode atuar se demandada por delegado.
Mea culpa
Mas um delegado de polícia da Grande Vitória, com 12 bairros na sua jurisdição e apenas quatro investigadores, admite: peritos só são chamados em crimes de maior expressão. Ele não nega que prioriza casos onde, muitas vezes, a própria vítima aponta a autoria do crime, com mais evidências a serem apuradas.
Presidente da Associação dos Investigadores da Polícia Civil do Estado (Assinpol), Júnior Fialho admite que na maioria dos casos o policial só atesta que o furto ou roubo aconteceu.
Subjetividade
“Muita coisa é feita com base em investigação subjetiva, porque a autoridade não solicita a perícia papiloscópica”, diz o secretário-geral da federação dos peritos dessa área, Antônio Tadeu Nicoletti Pereira, assegurando: “O mais comum é o policial fazer apenas laudo de constatação, com foto”.
Jean Claude Oliveira, o promotor de Justiça que atuou na fiscalização das polícias Civil e Militar, lembra que 80% dos crimes contra o patrimônio são ligados a tráfico de drogas e a homicídios. “Durante décadas, no Espírito Santo, o governo não investiu em perícia técnica, inteligência e policiais. Por isso, o cidadão não tem a prestação de serviço que merece”, diz ele.
E com ele concorda o dono de uma residência assaltada em Vila Velha, em março deste ano, rendido por um bando com sua família. “A polícia veio, mas até hoje não vimos o resultado do seu trabalho. Será que ainda há investigação?”
Pessoal
O promotor Jean Claude admite que o atual governo faz investimentos, fato também destacado pelo chefe de gabinete da Polícia Civil, delegado José Darcy Santos Arruda. Ele estima que até o final deste ano o número de policiais civis deva passar de 2,2 mil para 3 mil.
E explica que 312 investigadores já tomaram posse; que 126 escrivães, 70 peritos papiloscópicos e 100 delegados estão em formação na Academia de Polícia. “Com esse reforço, vamos poder investigar mais e melhor os crimes”, diz Arruda.
Mas, além de quantidade, faltaria à policia um trabalho integrado, uma sinergia entre investigadores e peritos. E conscientização sobre a importância da realização de uma perícia criminal e papiloscópica bem feita. Não por acaso, a Assinpol planeja realizar um seminário sobre investigação, reforçando maior uso da papiloscopia na identificação de provas técnicas.
Lamento da vítima
“A ocorrência do arrombamento da minha loja virou simples estatística na polícia. É triste”
Joana, 28 anos, lojista de Vila Velha
Em apenas um ano, ela prosperou nos negócios. Abriu duas lojas, mas já no terceiro dia após a inauguração da primeira, em Vila Velha, sentiu o gosto amargo da violência: o local foi invadido por um ladrão que levou do local o que havia de melhor.
Pela manhã, horas após o arrombamento, Joana (nome fictício), 28 anos, chegou e deparou-se com o cenário do crime: a porta com a fechadura quebrada, e marcas de mãos e dedos do ladrão em várias partes da porta de vidro. Também havia digitais em peças que ele deixou para trás.
Joana buscou, logo, o posto policial militar, onde alega não ter recebido atenção. “Me mandaram registrar ocorrência numa delegacia. Lá, disse à policial que havia uma testemunha do arrombamento, e que próximo à minha loja existia câmera de vídeo da prefeitura. Perguntei se ela solicitaria as imagens, se iria à loja, onde havia digitais do bandido, se ouviria a testemunha. Ela se limitou a dizer: ‘É mais fácil você botar uma câmera na sua loja, não?’. Já se passaram seis meses. Até hoje, a polícia não me procurou. Minha ocorrência virou simples estatística. É desanimador”.