Sindicato denuncia o suposto direcionamento na escolha de empresas. Comando da Policia nega e diz que polêmica tem motivação política
Nerter Samora
21/10/2014 18:52 – Atualizado em 21/10/2014 19:14
ATENÇÃO: EMPRESA DE UNIFORMES INVESTIGADA É SUSPENSA (CLIQUE AQUI)
O Ministério Público Especial de Contas (MPC) está apurando o processo de credenciamento de empresas para o fornecimento de uniformes para a Polícia Civil. A investigação foi solicitada pelo Sindicato dos Policiais Civis do Estado (Sindipol), que denuncia o eventual direcionamento na escolha das empresas fornecedoras. Até o momento, quatro empresas já foram credenciadas para fornecer a indumentária. O poder público paga, uma vez por ano, uma indenização aos policiais de quase R$ 1 mil para a aquisição do uniforme.
Na representação, o sindicato denuncia que uma das empresas credenciadas – Garça Uniformes – pertence à irmã da esposa do delegado-chefe da Policia Civil, Joel Lyrio Rocha (Carla Souza Villar Zaché, que tem 1% da participação societária na empresa). Para o presidente do Sindipol, Jorge Emílio Leal, a manutenção do procedimento “se mostra ilegal e inverossímil”. A entidade afirma que a cúpula da Policia não deu transparência ao processo de escolha das credenciadas, além de colocar supostamente os policiais em situação de risco devido à identificação visual.
Em entrevista à reportagem, o sindicalista alegou que a Garça vende os uniformes na loja Uniforme e Cia, localizada no bairro da Glória. Essa outra loja também se credenciou ao fornecimento dos uniformes, fato que indicaria a predileção à empresa da cunhada do delegado-chefe. Jorge Emílio também afirmou que pretende entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra trechos da Lei Complementar nº 657, sancionada em dezembro de 2012, que instituiu a indenização para aquisição de uniforme sob alegação de que a legislação proíbe o “fardamento” dos policiais civis.
Entretanto, a Polícia Civil nega todas as acusações e insinua que a polêmica tem motivações políticas. O chefe do Departamento de Administração Geral (DAG) da instituição, delegado Paulo César Ferreira (foto), afirmou que o assunto teve ampla transparência e que todo o processo de convocação de empresas foi publicado no Diário Oficial do Estado. “Criticar é fácil. O sindicato nunca veio aqui [no departamento]. Eles não tiveram a coragem sequer de conhecer o projeto, que foi uma reivindicação do próprio sindicato”, retrucou.
O delegado garantiu que a administração fez todos os esforços para garantir a participação de mais empresas. Segundo ele, o termo de referência – documento que estabelece o padrão de confecção das vestimentas – foi aprovado no dia 4 de fevereiro deste ano e o edital de convocação foi publicado na semana seguinte (dia 11 daquele mês). Paulo César afirma que a empresa Garça foi a primeira a se credenciar. A firma teria sido indicada pela empresa Santista Têxtil, que auxiliou na criação do termo de referência.
De acordo com o chefe da DAG, a Santista “não cobrou nada” pela consultoria e que nunca tratou diretamente com a sócia da Garça. Paulo César afirmou que todos os contatos com a empresa foram feitos com Ricardo Zaché – sócio majoritário da empresa (99% do capital social) e marido da cunhada do delegado Joel Lyrio. Ele afirma que o delegado-chefe da Polícia Civil não tem participação ativa no processo de escolha de empresas, sendo responsável apenas pela aprovação do termo de referência.
Ao todo, Paulo César informou que outras duas companhias foram credenciadas: Unisat e Point Militar, que ainda não começaram a vender os uniformes. Segundo ele, outras quatro empresas (Loja Guerreiros, Lougic, Kiara e Ducouro) já apresentaram o pedido de credenciamento.
Questionado sobre as outras acusações feitas pelo sindicato, o delegado Paulo César rechaçou todas as suspeitas, sobretudo em relação à eventual ameaça aos policiais. Segundo ele, a lei complementar obriga a utilização do uniforme somente aos policiais em funções administrativas ou em regime de plantão. Os policiais em atividades de investigação ou inteligência não precisam utilizar as vestimentas especiais, de acordo com a norma.
Em resposta ao ofício enviado pelo MP de Contas, a direção da Polícia Civil afirmou que os policiais nunca tiveram um padrão de vestimenta. No documento, a instituição pontua que a falta de identificação pode até confundir os cidadãos. “Dentro de uma delegacia você não sabe quem é o policial, quem é o ‘acusado’, quem é testemunha, quem está ali para registrar uma ocorrência. É muito comum um cidadão entrar na delegacia (ou em uma das nossas repartições administrativas) e se sentir perdido, não sabendo a quem se dirigir”, repetiu Paulo César.
Segundo ele, a ideia era repetir o estilo das grandes empresas na criação do padrão de vestimenta para os policiais que atuam em funções administrativas. Paulo César afirma que o movimento do sindicato pode ser relacionado à resistência de alguns policiais ao uso do uniforme com identificação. “Se estivesse no sindicato, eu faria uma campanha para aumentar o valor da indenização”, cutucou.
Paulo César alertou para a possibilidade dos questionamentos feitos pelo sindicato colocarem em risco o recebimento da indenização. Segundo a lei complementar, os policiais recebem, uma vez por ano [no mês de aniversário da posse no cargo], o valor da indenização, fixado em 375 VRTE (Valor de Referência do Tesouro Estadual), equivalente a R$ 945,37. O dinheiro entra diretamente no contracheque e os policiais devem prestar conta do uso da indenização ao departamento.
O delegado afirmou que fez circular um e-mail na rede interna da corporação desobrigando os policiais da aquisição dos uniformes mediante a devolução dos valores recebidos. No entanto, dos 2.736 policiais do atual contingente da Polícia Civil, apenas 56 prestaram contas dos gastos, de acordo com dados do DAG. A reportagem de Século Diário teve acesso a algumas dessas prestações de contas e foi possível observar que os gastos estavam bem abaixo do “teto” da indenização.
A assessoria do MP de Contas informou à reportagem que as investigações seguem em andamento. O caso foi distribuído à 2ª Procuradoria, sob responsabilidade do procurador de Contas, Luciano Vieira, que está de férias até meados de novembro. Segundo o órgão, as apurações serão retomadas após o retorno das atividades do membro ministerial.
Fonte: seculodiario.com