Estamos publicando um novo documento (segundo documento) a respeito da discussão sobre a “autonomia” da SPTC para os peritos papiloscópicos ficarem mais bem informados. Em face do grande número de questionamentos que a APPES tem recebido dos colegas, ligado a alguns pontos que busquem esclarecer e embasem esse novo debate que a categoria está vivenciando, vamos publicar mais outros tópicos.
Alguns conceitos são próprios e estamos utilizando apenas para facilitar a compreensão. Além disso, esses conceitos variam de autor para autor.
1) Autonomia: A palavra autonomia apresenta vários significados. Para a interpretação da norma em comento, pode-se mencionar o significado da autonomia da instituição e da autonomia do indivíduo.
Tendo como destinatário a instituição, pode-se afirmar que autonomia se trata da “faculdade que possui determinada instituição de traçar as normas de sua conduta, sem que sinta imposições restritivas de ordem estranha”.
Sendo o destinatário o indivíduo, autonomia é o “direito de um indivíduo tomar decisões livremente; liberdade, independência moral ou intelectual.”
Por ser um termo amplo, não é possível dotar determinada instituição ou indivíduo de autonomia absoluta. Confere-se uma autonomia limitada, criando-se denominações como: autonomia administrativa, autonomia financeira, autonomia funcional, autonomia técnica e autonomia científica.
Segundo a maioria da doutrina jurídica, as verdadeiras autonomias legislam para si.
1.1) Autonomia “plena”: desvinculação do órgão ao qual se encontra vinculado (PC), passando-se a integrar um novo sistema totalmente independente do órgão originário. Na verdade, não possuindo o poder de legislar para si, se trata de uma descentralização, quando o órgão se desvincula de outro órgão da Administração Direta. No Brasil somente os Poderes possuem autonomia “plena”. Não há autonomia absoluta no País.
1.2) Autonomia parcial: permanece-se vinculado ao órgão originário (PC), adotando-se um novo paradigma, geralmente relacionado ao gerenciamento do órgão com autonomia parcial. Os principais aspectos seriam: a) a gerência do órgão passa a ser exercida por pessoas que nele exercem suas atividades, com baixíssimas intromissões externas; b) a gerência do órgão se reporta a um número menor de pessoas na escala hierárquica; c) muito baixa ingerência externa no desempenho das atividades (atribuições) do órgão. No caso específico do Departamento de Polícia Federal, o órgão pericial central denomina-se Diretoria Técnico-Científica, que está inserida no organograma do Departamento, ligada diretamente ao Diretor Geral. Em atendimento à autonomia funcional, caberá apenas à Diretoria Técnico-Científica gerir seu funcionamento, nas atividades de natureza pericial, não sendo possível ingerência nem mesmo de órgãos superiores hierárquicos a este órgão.
1.3) Autonomia funcional: Pressupostos para uma verdadeira independência funcional: Para que possamos admitir que um determinado ente (usamos a expressão ente porque entendemos que, ao contrário de da designação como órgão, denomina melhor a verdadeira natureza jurídica do ministério público), seja ele qual for, detenha autonomia funcional (autonomia para desempenhar a sua função institucional) é necessário que ele reuna, em torno de si, três pressupostos básicos, quais sejam, uma lei, conforme os ditames da Constituição, que o institua juridicamente; uma própria dotação orçamentária, que seja a ele designada; e uma função específica que seja por ele desempenhada, isto é, uma função peculiar
1.4) Autonomia administrativa: A autonomia administrativa significa a soma de poderes da pessoa ou entidade para administrar os seus próprios negócios, sob qualquer aspecto, consoante as normas e princípios institucionais de sua existência e dessa administração. Quem possui autonomia financeira recebe suas rendas e administra o seu dispêndio.
1.5) Autonomia técnica: A autonomia técnica refere-se à possibilidade da instituição ou do indivíduo determinar-se quanto às atividades técnicas desenvolvidas. Assim, cabe ao perito e, somente a ele definir qual método de trabalho utilizará na realização dos exames periciais. Nada impede, contudo, que o órgão central pericial regulamente, sob forma de recomendações ou sugestões, rotinas de trabalho, em áreas onde a técnica adotada já se encontra sedimentada, visando uma padronização e melhor apresentação do trabalho pericial para o cliente final, qual seja, a autoridade judicial. Estas regulamentações não terão caráter coercitivo, servindo apenas de recomendações.
1.6) Autonomia científica: A autonomia científica refere-se diretamente ao processo de pesquisa, ou seja, de alteração do estado da arte em determinada área do conhecimento científico. Exemplo clássico são as universidades que têm autonomia científica para livremente definir, programar e executar a investigação e demais atividades científicas e culturais. Confere ao órgão pericial o direito de definir livremente os meios de investigação científica. Assim, caberá ao órgão pericial identificar quais modalidades de pesquisa científica têm interesse para o serviço, não sendo aceitável a ingerência de outros órgãos, mesmo componentes da mesma instituição.
2) Descentralização: O Estado, por seus diversos órgãos e nos diversos níveis da federação, estará prestando serviço por EXECUÇÃO DIRETA quando, dentro de sua estrutura administrativa – ministérios, secretarias, departamentos, delegacias -, for o titular do serviço e o seu executor. Assim, o ente federativo será tanto o titular do serviço, quanto o prestador do mesmo. Esses órgãos formam o que a doutrina chama de ADMINISTRAÇÃO CENTRALIZADA, porque é o próprio Estado que, nesses casos, centraliza a atividade.
A descentralização por serviços, funcional ou técnica é a que se verifica quando o poder público (União, Estados, Distrito Federal ou Município) por meio de uma lei cria uma pessoa jurídica de direito público – autarquia e a ela atribui a titularidade (não a plena, mas a decorrente de lei) e a execução de serviço público descentralizado.Já na descentralização por serviços, o ente descentralizado passa a deter a "titularidade" e a execução do serviço nos termos da lei não devendo e não podendo sofrer interferências indevidas por parte do ente que lhe deu vida. Deve pois, desempenhar o seu mister da melhor forma e de acordo com a estrita demarcação legal.
OBS.:no caso da “autonomia” da SPTC o que ocorreria se trata de uma descentralização, passando a SPTC a fazer parte da Administração Indireta, ou seja, viraria uma autarquia. Poderia também ser adotada a figura da Agência Executiva, que se trata de uma espécie de autarquia vinculada a um contrato de gestão firmado com a própria Administração Direta (leia aqui sobre agencias executivas)
3)Porte de Arma: esse ponto é bastante complexo para ser repassado aos colegas em poucas linhas, envolvendo o Estatuto do Desarmamento e toda uma legislação regulamentar (imensa), que trata do porte da arma de uso restrito ou não, para a qual precisaríamos de muitas páginas a fim de discuti-la.
Nos Estados em que a perícia está “autônoma”, faculta-se ao perito o uso de armas. Dependendo de qual “autonomia” se trata, se parcial ou se plena, ou seja, se vinculada à PC, se vinculada à Sesp ou se vinculada ao Governador, o porte de armas pode ou não sofrer modificações. Por exemplo: na Bahia a SPTC possui “autonomia”, mas continua dentro da Polícia Civil. Dessa forma, portam armamento e viaturas da Polícia Civil.
Já em outros Estados, a SPTC passou a ser ligada diretamente à Sesp, como no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Nesses Estados vinculados à Sesp, o uso do armamento passou a ser regulamentado por legislação própria.
Problema nenhum haveria nesse último caso (vinculados à Sesp) se não fosse recente decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2827 (leia aqui) afirmando com todas as letras que a desvinculação da SPTC da PC é plenamente possível, mas o órgão desvinculado não faz parte dos órgãos de segurança pública elencados no art. 144 da Constituição. Ou seja: para o STF, a “autonomia” retira a SPTC da área da segurança pública.
Consultamos alguns colegas dos órgãos do RS e de SC e eles disseram que poucos deles costumam utilizar armas, haja vista que não gostam de portá-las, e que vão aos locais de crimes acompanhados pelos militares, quando necessário.
Apesar desses Estados terem legislado sobre o tema e concedido porte de armas para os colegas ligados à Sesp, entendemos que não é possível tal prerrogativa, mesmo por convênio ou autorização do Ministério competente, a não ser que a legislação federal seja modificada, principalmente a que regula o porte de arma de uso restrito.
Evidentemente que podendo portar arma e não estando vinculado aos órgãos de segurança pública, seu uso se restringe apenas à defesa pessoal, haja vista que nesse caso deixa-se de ser policial e a obrigatoriedade em relação ao manuseio de armas se limita ao uso para defender-se.
Enfim, está todo mundo podendo usar. Até que alguém morra em consequência disso. E aí vamos ver como fica.
4) Poder de Polícia:Nosso Código Tributário Nacional define o poder de polícia, em seu art. 78,
de forma clara e objetiva: “Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
A polícia administrativa rege-se pelo Direito Administrativo, incidindo sobre bens, direitos ou atividades, enquanto a polícia judiciária rege-se pelo Direito Processual Penal, incidindo sobre pessoas. A polícia administrativa reparte-se entre vários órgãos da Administração, inclusive os diversos órgãos de fiscalização que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho etc., enquanto a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar).Celso Antônio Bandeira de Melo assim define o assunto: o que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica.
OBS.: Com ou sem autonomia, a perícia oficial não sofre grandes alterações em relação ao poder de polícia. Evidentemente, na “autonomia plena” deixa-se de fazer parte da denominada Polícia Judiciária (Polícia Civil) e, para o STF, dos órgãos de segurança pública, cessando suas obrigações como policiais em face disso.
5) Aposentadoria especial:a aposentadoria especial, no caso dos policiais civis, está relacionada, de modo geral, ao fato de exercerem atividade de risco, conforme a Constituição, sendo ela de 30 anos de serviço, desde que o policial conte com 20 anos de atividade exclusiva de polícia (caso dos homens). Todos estão assistindo à dificuldade pela qual estamos passando como policiais no IPAJM para termos garantido o direito de aposentadoria especial.
O simples exercício da atividade policial pressupõe a existência de risco, garantindo a inclusão dos integrantes do cargo no rol dos beneficiados pela regra especial de aposentadoria, haja vista que a atividade policial encontra-se inclusa dentre aquelas que causam os maiores traumas à saúde do trabalhador, tendo inclusive, segundo estudos recentes, se tornado mais estressante do que a dos trabalhadores de minas de carvão, que eram considerados os mais prejudicados até então.
Com a autonomia em relação aos órgãos policiais e pelo fato de ainda não existir como órgão de segurança pública na Constituição Federal, a Polícia Técnica deverá passar, para o governo, por estudos em relação a esse direito especial. Algumas situações: os peritos que já possuem mais de 20 anos de polícia e deixarem a PC, levariam consigo esse direito à aposentadoria especial, diante do que diz a Lei Complementar nº 51/85? O novo órgão "autônomo" criado estaria albergdo automaticamente nos casos reconhecidos como de risco presumido?
São situações que deveremos debater nas Assembleias Gerais que iremos realizar. Mas, que têm sido motivo de grandes preocupações por parte de muitos colegas.
6) Aposentados: como fica a situação dos peritos aposentados com a desvinculação? Estamos bem alertas para este fato e já realizamos um primeiro encontro com os colegas aposentados para debater essa questão. Não podemos esquecer o que recentemente ocorreu com o subsídio, quando o governo tratou de forma diferenciada alguns colegas, querendo impedir que pudessem optar pelo subsídio. Não nos esqueçamos que várias alterações podem advir dessa “autonomia”, como: nova nomenclatura para os cargos, novo regime jurídico, novo plano de cargos e salários, novo regime previdenciário, etc.
Portanto, a participação dos aposentados objetivando garantir direitos é imprescindível.
7) Autarquia e Agência Executiva: sob nossa visão, duas possibilidades poderiam advir da desvinculação se a SPTC se tornasse “autônoma”: ou viraria uma autarquia propriamente dita ou uma outra modalidade de autarquia denominada agência executiva. As autarquias fazem parte da administração indireta. Segundo o STF, não poderia estar vinculada à Sesp por não fazer parte do rol do art. 144 da Constituição que define taxativamente os órgãos de segurança pública.
Exemplos de autarquias: Detran e IPAJM.
Exemplos de agência executiva: não conhecemos nenhuma no ES. No âmbito federal temos o INMETRO E A ABIN.
Estamos postando dois links para você acessar e se informar mais profundamente sobre cada um desses órgãos da administração indireta:
7.1) Autarquia (leia aqui)
7.2) Agência Executiva (leia aqui)
8) Unificação nomenclaturas e atribuições: o nomenclatura unificada mais consentânea com a atualidade seria PERITO OFICIAL, conforme estipulado em toda a parte das provas do Código de Processo Penal. Essa, sem dúvida, se trata da discussão que vai apresentar maiores debates. Alguns peritos defendem que essa junção se faça por área, por exemplo: perito oficial criminal, perito oficial papiloscópico, perito oficial bioquímico toxicologista, perito oficial médico legista. Isso, feito com um estudo das atribuições de cada cargo e das especificidades existentes porque os peritos papiloscópicos não podem abrir mão em hipótese alguma da identificação civil. O banco de dados da identificação civil é fonte de pesquisa permanente e vital para a conclusão de todas as perícias realizadas pelo cargo.
9) Plano de cargos e salários: uma das maiores reivindicações de todos os cargos da SPTC, busca-se um tratamento condizente com a importância da perícia oficial, igualando-se os salários dos cargos, inicialmente, aos salários dos delegados de polícia. Além de um plano de cargos que privilegie o crescimento e o aprimoramento constante dos peritos ao longo da carreira.
10) Regime jurídico dos servidores da autarquia: qual seria adotado pelo governo? O estatutário ou o celetista? Hoje a Constituição exige no art. 39 a instituição de um regime jurídico único para todos os servidores submetidos a uma mesma espécie de administração. Na Administração Direta, por exemplo, o regime é único e estatutário. Não podemos nos esquecer, entretanto, da fragilidade com que os servidores de autarquias são tratados, haja vista os exemplos do Detran e IPAJM, que constantemente sofrem modificações no seu regime jurídico para facilitar interesses políticos. Tivemos informações que o Detran/ES, apesar de o regime adotado lá nesse momento ser o estatutário há 120 servidores efetivos, 400 comissionados e 70 estagiários. É retrato da politicagem!
11) Carreiras típicas de estado: As Carreiras Típicas de Estado são aquelas que exercem atribuições relacionadas à expressão do Poder Estatal, não possuindo, portanto, correspondência no setor privado. Integram o núcleo estratégico do Estado, requerendo, por isso, maior capacitação e responsabilidade. Estão previstas no artigo 247 da Constituição Federal e no artigo 4º, inciso III, da Lei nº 11.079, de 2004. As carreiras consideradas típicas de Estado são as relacionadas às atividades de Fiscalização Agropecuária, Tributária e de Relação de Trabalho, Arrecadação, Finanças e Controle, Gestão Pública, Segurança Pública, Diplomacia, Advocacia Pública, Defensoria Pública, Regulação, Política Monetária, Planejamento e Orçamento Federal, Magistratura e o Ministério Público. As garantias para as carreiras consideradas típicas e exclusivas de Estado são mais severas, tomadas em relação às garantias dos demais servidores.
Não devemos nos esquecer que o STF admite a autonomia da SPTC. Entretanto, a retira dos órgãos de segurança pública elencados no art. 144 da Constituição. Dessa forma, com a autonomia, devemos estar cientes da diminuição do caráter de atividade típica e exclusiva das atribuições que exercemos, em face da saída dos órgãos considerados como pertencentes à segurança pública.