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MATERIALIDADE DO DELITO

 MATERIALIDADE DO DELITO E OUTRAS COISAS MAIS 

Direito no Brasil é meio como o futebol: todo mundo entende um pouco, todo mundo discute, bate uma bolinha e dá sua opinião.

Pra “variar” um pouco, portanto, vamos dar nossa opinião a respeito do que seja: autoria (indícios de autoria) de um crime/fato, vestígios, corpo de delito, exame de corpo de delito ou exame do fato, materialidade do crime e materialidade do fato.

Não existe nada na lei direcionando para um ou outro perito oficial o dever de fornecer apenas a materialidade ou apenas a autoria dos delitos. Isso restou reservado, ao longo dos anos, para normatizações internas da Perícia Oficial, bastando capacitar os peritos para o exercício de tal ou qual mister.

TEORIA DO DELITO

Como a Teoria do Delito se trata de uma das partes mais complexas do Direito Penal, com uma variabilidade grande de teses e adeptos, vamos nos ater à Teoria Clássica do Delito, a mais adotada pelos juristas brasileiros, que afirma ser o crime um fato típico, antijurídico e culpável.

Vamos postar algumas definições fundamentais para alicerçar nosso raciocínio:

1) DELITO: no Brasil crime é uma coisa e delito é outra. Os delitos envolvem os crimes e as contravenções penais. Delito ou infração penal é gênero, do qual crime, contravenção penal e ato infracional (delitos praticados por menores) são espécies. Em linhas gerais, para a maioria absoluta da doutrina pátria, crime (delito) é um fato típico, antijurídico e culpável. Quem afirma se um fato se trata ou não de um delito é o juiz de Direito.

2) AUTORIA: quem comete o fato é o autor. No Brasil, basta ocorrer indícios de autoria para dar causa à acusação.

“Não só o público leigo, mas também os profissionais do Direito enfrentam sincera dificuldade em compreender o verdadeiro sentido e alcance da palavra indícios. Sobre a conduta de alguém a cujo respeito paire alguma dúvida, costuma-se dizer que há apenas “indícios”, num esforço de minimizar a gravidade das acusações ou de desqualificá-las ou, ainda, para refrear o ânimo febril da imprensa que insiste em antecipar nas manchetes o veredicto dos Tribunais. Também há os advogados – desses cujos honorários embutem 6 ou 7 zeros – que aparecem na televisão indignados: “só há indícios contra o meu cliente”, “não há provas”, “isso é um absurdo” e tal. De outro lado, encontramos nos bons livros e na jurisprudência referências aos indícios como uma espécie de prova capaz de embasar uma condenação. Amiúde, a palavra também é usada para expressar alguma indicação ou sinal. Afinal, o que são indícios?

A culpa por essa confusão conceitual se deve à falta de rigor terminológico do Código de Processo Penal, que incorreu no equívoco rasteiro de conferir à mesma palavra três significados radicalmente distintos: ora indícios exprime a suspeita do cometimento de crime que recai sobre alguém, ora designa um meio de prova; e, em certa passagem, ainda serve de sinônimo para indicação. Esse infeliz cacoete polissêmico já foi reconhecido, em mais de uma oportunidade, pelo STF: Aí – segundo o entendimento sedimentado – indícios de autoria não têm o sentido de prova indiciária – que pode bastar à condenação – mas, sim, de elementos bastantes a fundar suspeita contra o denunciado. 

Indícios no CPP: 

Na acepção de suspeita ou de elementos que propiciam uma suspeita, a palavra indício (no singular ou no plural) é utilizada, com diferentes adjetivações, por vários artigos do CPP: 126; 134; 312; 413, § 1º; 414 e 417.

No sentido de indicações, aparece no art. 290, § 1º, “b”.

Mas, para peritos oficiais importa o entendimento de “indício” como MEIO DE PROVA, contido no art. 239 do CPP:

Art. 239.  Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Alguns conceitos de “indício” como meio de prova:

ROXIN conceitua indícios (Indizien) como:

Fatos que permitem uma conclusão diretamente sobre um fato principal. Assim, por exemplo, o fato de o suspeito de homicídio ter proferido, antes do óbito de X, ameaças de morte diretamente contra ele, ou depois do fato ter removido de suas calças marcas de sangue, ou que o suspeito de fraude contra o seguro tenha adquirido gasolina e elevado o valor do seguro.

KINDHÄUSER afirma que “fatos indiciários” ou “indícios” “são fatos que permitem uma conclusão sobre um fato principal por meio de uma regra de experiência”. E cuida de distinguir a “série de indícios” (Indizienreihe) da “cadeia de indícios” (Indizienkette), duas formas empíricas de seu aparecimento para efeitos probatórios. Na primeira, há vários indícios dependentes uns dos outros; na segunda, os indícios são independentes entre si. Em ambos as hipóteses, a prova indiciária é hábil à inferência.

TOURINHO FILHO, após socorrer-se das definições de MITTERMAYER e MANZINI ressalta que “o indício é, também, um meio de prova, e tanto o é, que o legislador o encartou no capítulo pertinente às provas, e, por isso mesmo, seu valor probatório é semelhante às chamadas provas diretas”. Walter P. ACOSTA distingue:

Indício não é sinônimo de presunção, como alguns entendem: é a circunstância ou antecedente que autoriza a fundar uma opinião acerca da existência de determinado fato, ao passo que presunção é o efeito que essa circunstância ou antecedente produz, no ânimo do julgador, quanto à existência do mesmo fato. Na técnica da prova indiciária desenvolve-se, pois, um silogismo, em que a premissa menor é um fato, ou circunstância provada, que é a circunstância indiciante, e a premissa maior, que se ajusta à outra, é simplesmente problemática ou abstrata, calcada nos ensinamentos do bom senso comum.

Um único fato indiciário por vezes não será suficiente para fundar convincentemente uma condenação.  Em determinados casos, ao contrário, um fortíssimo indício talvez pese decisivamente. Também é possível que uma longa seqüência de frágeis indícios seja incapaz de dissipar a dúvida razoável existente na cabeça do julgador. A riqueza do dia-a-dia, a complexidade concreta dos processos e o infindável repertório de surpresas que cada um deles esconde nos impedem de ir além da fixação de parâmetros. Não se pode impor uma solução mágica e universal: cada constelação situacional reivindicará cuidadosa ponderação das circunstâncias factuais e merecerá do juiz tratamento particular: a conclusão de um processo nem sempre será válida para outro. O importante é deixar claro: indício é meio de prova e, como tal, apto a embasar sim uma condenação.

Portanto, a palavra indícios remete à nocão de início de prova, à prova indiciária (rectius: meio de prova indiciário) e à indicação de algo.

A fim de evitar dúvidas, é preferível reservar o emprego de indícios à categoria de prova indiciária. Para exprimir os dois outros sentidos, podem utilizar-se suspeita e indicações ou vocábulos correlatos.

O meio de prova indiciário é tão apto a fundar uma condenação quanto qualquer outro – meio de prova testemunhal, documental, pericial, confissão, etc. Essa posição corresponde à adoção do princípio do livre convencimento motivado do juiz.”

Conforme observamos, só com a palavra “indício” dá pra se “jogar” bastante “futebol”. Mas, para peritos oficiais, o importante é deixar registrado que a palavra “indício” no CPP tem o significado de prova indiciária e de indicação de algo.

3) MATERIALIDADE: não podemos e não devemos confundir “materialidade do crime” com “materialidade do fato”. Essa diferença clara entre ambas é difícil até ser encontrada entre profissionais do Direito. Fazendo-se uma pesquisa na Internet, por exemplo, vai-se constatar que nada se encontra claro a respeito, ocorrendo uma simbiose entre os dois termos. 

Entretanto, sob nossa visão, materialidade do crime se trata de algo totalmente diverso de materialidade do fato. Preliminarmente, antes do entendimento do juiz de um ato como delito, todo e qualquer perito constata a materialidade do fato. Subsequentemente, constata-se a materialidade do crime ou do delito.

Em nosso ordenamento jurídico, quem diz se um ato se trata ou não de um delito é o juiz. Antes disso, todo e qualquer ato não pode se taxado nem de crime, nem de contravenção penal e nem de ato infracional. Exatamente por causa da Teoria do Delito adotada no País, pois compete ao juiz atestar ou não se esse ato realmente constitui um fato típico, antijurídico e culpável, portanto, um delito.

Dessa forma, no que tange à Perícia Oficial, “materialidade do crime” seria: exame realizado por peritos em busca do levantamento de vestígios que materializam algo considerado crime ou delito (neste caso, exame de corpo de delito). “Materialidade do fato” seria: exame realizado por peritos em busca do levantamento de vestígios que materializam algo que não venha a ser considerado crime ou delito. O mesmo se aplica aos atos infracionais.

Portanto, um exame pericial feito sobre algo que seja considerado penalmente atípico ou não antijurídico ou não culpável não se trata de exame de corpo de delito, e sim de exame pericial de um fato. Se tal exame configurar-se-á em exame de corpo de delito é algo que depende do discernimento do juiz em face do que adotamos como Teoria do Delito.

Assim, um exame de lesões corporais realizado em uma pessoa que apresenta ferimentos causados por outra pessoa, mas que o juiz entende de plano se tratar de legítima defesa, logo, de uma excludente de antijuridicidade (ou de culpabilidade para alguns), não se configura exame de corpo de delito, mas de exame pericial de um fato.

Um exame de local de “crime” que comprove que uma esposa furtou dinheiro na carteira do marido, logo, amparada por uma escusa absolutória, não se trata de exame de corpo de delito, e sim de exame pericial de um fato.

Uma mulher chega à sua residência e a encontra com a porta arrombada. Aciona a Perícia e é realizado um exame de local de arrombamento em que se comprova que seu marido, dono do imóvel e movido por um acesso de fúria, foi o autor. Não se trata de exame de corpo de delito, e sim de exame pericial de um fato.

Simplesmente porque nenhum dos casos acima se trata de crime ou de infração penal.

Existência material do fato. Existência real do acontecimento. Fato efetivamente ocorrido. A simples constatação da materialidade do fato não é suficiente para uma condenação criminal, se este fato não for típico, antijurídico, culpável e punido, se a autoria não está determinada, se não houver provas suficientes para tanto, se não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal ou existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena.

Materialidade do fato é o oposto da inexistência do fato. Materialidade do fato é prova da existência do fato, mas ainda não é prova da existência do crime”.

4) CORPO DE DELITO:

Neste campo as confusões são imensas. Basta que se acesse qualquer página na Internet com uma definição do que seria corpo de delito para constatarmos os equívocos. Mas, como também estamos “batendo uma bolinha sobre o tema”, vamos postar nossa opinião.

Vejam a seguinte definição extraída de um manual elaborado por um perito criminal, constante dos cursos que leciona pelo País: “Todos os crimes materiais deixam vestígios, pois nestes delitos existe a necessidade de um resultado externo à ação, sendo relevante o resultado material para que os mesmos existam”.

Vamos nos ater à analise de apenas dois tipos de crimes: os materiais e os formais. Crime Material: “o tipo legal menciona a conduta do agente e o evento danoso, exigindo que este se produza para considerar-se o crime como consumado”; Crime Formal: “crimes formais são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito”.

Simplificando: no crime material exige-se uma conduta e um resultado, sendo o resultado necessário para a caracterização do crime (ex: homicídio, em que é necessário o ato de atentar contra a vida, e a morte para configurá-lo); no crime formal exige-se uma conduta e um resultado, mas o resultado exaure-se na própria conduta (ex: falsificação de moeda, em que não é necessária a circulação da moeda falsificada para caracterizá-lo, bastando o próprio ato de falsificar).

O equívoco, portanto, é esse: confundir a classificação dos crimes quanto ao resultado (crimes materiais, crimes formais, etc) com “corpo de delito”.

Os crimes doutrinariamente formais também podem deixar vestígios, sendo necessária a realização do exame de “corpo de delito”. Como exemplo: extorsão mediante sequestro, falsificação de moeda, etc. Não podemos, em face disso, confundir e remeter a necessidade da realização de exame pericial de um fato potencialmente criminoso às espécies doutrinárias que classificam os crimes.

Logo, a materialidade de que trata o “corpo de delito” é diversa da materialidade dos crimes quanto ao resultado. Podem até se equivaler, em determinados casos, mas não necessariamente se trata de uma mesma coisa.

Da análise de dois tipos básicos de materialidade cuidam os peritos oficiais:

1) materialidade da existência do fato;

2) materialidade comprobatória da autoria.

Num arrombamento de residência, por exemplo, os peritos constatam a existência do arrombamento e buscam encontrar vestígios que levem à autoria. Na falsificação de moeda, os peritos constatam a falsificação e buscam vestígios que levem à autoria. Num homicídio, os peritos constatam a existência de um ato atentatório contra a vida de outrem, que teve como consequência a morte, e buscam vestígios que levem à sua autoria. 

Um perito deve ter três coisas sempre em mente quando atua num possível crime:

1ª) a ele compete buscar e constatar a materialidade daquele fato;

2ª) a ele compete buscar e constatar indícios que levem à autoria do fato;

3ª) a ele compete buscar ligar o fato cometido aos indícios de autoria.

A constatação de um fato, em muitos casos, faz-se quase que de forma natural, sendo em muitos deles um ato pró-forma a afirmativa de sua existência. Por exemplo: uma pessoa encontrada morta com indícios claros de violência constata-se por simples exame superficial do corpo. Já uma pessoa encontrada morta sem sinais aparentes de violência, constata-se por exame aprofundado do corpo.

Portanto, a atuação do perito, no que tange à materialização de um fato, vai depender de quão complexa se apresenta uma dada situação. Em todos os casos, não obstante, importa para a sociedade a constatação evidente da autoria. A materialização dos vestígios que levem à autoria assume um caráter específico, imprescindível para o interesse geral.

Em quaisquer desses fatos, sejam de fácil ou de difícil materialização, o objetivo precípuo é ligá-los a um determinado ou possível autor, deixando evidente que a materialização do fato e a materialização da autoria representam duas faces de uma mesma moeda que trabalham de forma indissociável em prol dos interesses sociais.

Logo, há tanto fatos (crimes) de difícil materialização, quanto há fatos (crimes) de difícil comprovação da autoria. Ambas, sem sombra de dúvida, caminham pari passu, são indissociáveis e devem corroborar para o deslinde de atos atentatórios contra a vida em sociedade, num dado momento social. O mais complexo, comumente, é a comprovação da autoria, haja vista que na maior parte dos casos os fatos falam por si próprios.

Entretanto, a prova da materialidade de um crime não se confunde com a definição de crimes materiais. Um caso clássico é o de Elisa Samúdio, recentemente tida como assassinada pelo ex-goleiro do Flamengo Bruno. Homicídio se trata de um crime material e, para que se configure, a comprovação da morte de outrem é necessária. Mas, neste caso, até o presente momento não se conseguiu encontrar o corpo da suposta vítima. Portanto, um crime material cuja prova da materialidade em relação à morte se deu basicamente por testemunhas e pela constatação de seu desaparecimento.

Poder-se-ia alegar que foi realizado o “exame de corpo de delito indireto”. Não, não foi! O exame realizado foi direto, pois incidente sobre todos os possíveis vestígios deixados pelos criminosos, exceto sobre o corpo da vítima. A materialidade desse crime, portanto, se deu pelo desaparecimento da vítima sob condições absolutamente suspeitas (e que as ligaram a fatos pretéritos praticados pelo goleiro), somado a outros vestígios e provas testemunhais levantadas.

Algumas definições correntes sobre “corpo de delito”:

Para Pimenta Bueno:
“Corpo de delito é o conjunto de elementos que constaram a existência do crime”.
Para João Mendes:
Corpo de delito é o conjunto de elementos sensíveis do fato criminoso”.
Para Farinácio:
“Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime”.

Podemos utilizar qualquer uma das definições acima para conceituar o que seria corpo de delito. Entretanto, esses elementos sensíveis ou vestígios citados se apresentam como dados configuradores de um fato, e não de um delito, ao não se configurar esse fato pelo juiz como crime. A par disso, não há que se confundir “exame de corpo de delito” com delitos (crimes) materiais.

5) VESTÍGIOS:

Vestígio de um delito, em sentido lato, se confunde com a própria noção de indício e de corpo de delito.

Conforme diz o CPP: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” (art. 158).

Todo crime constitui um corpo de delito, sem exceção (até os de mera conduta ou sem resultados, como a difamação, a desobediência, a violação de domicílio). E todo corpo de delito é examinado, sem exceção. Todo crime deixa vestígio, também sem exceção. Vestígios materiais e vestígios imateriais. Uns deixam vestígios obrigatoriamente aferíveis por peritos e outros deixam vestígios em que não é necessária a aferição por peritos. Alguns deles, em face de sua complexidade e para que não se percam, necessitam da atuação de experts. Outros são examinados diretamente pelo juiz por outros meios de prova.

Crime sem vestígio é crime inexistente. Até em crimes de mera conduta como na injúria verbal existe vestígio. O vestígio, neste caso, é a captação por alguém da injúria verbalmente proferia pelo injuriador. Um vestígio imaterial captado pelo sentido audição. Já uma injúria escrita precisa de prova documental. Em ambas é desnecessária a prova pericial porque em uma o vestígio é imaterial e em outra é aferível por prova documental. Agora, uma injúria escrita sobre a qual paire dúvida sobre o autor do escrito necessita de exame grafotécnico.

Dessa forma, pensamos que a melhor redação para o art. 158 seria: Ocorrendo um fato, com possibilidade de constituir infração penal e de existir vestígio material, será indispensável o exame por perito oficial, de forma direta ou indireta, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Vejam que mudamos a expressão para “possibilidade de existir vestígio material”. Entendemos que não se deve remeter à lei ou a autoridades a possibilidade de dizer ou não se num potencial crime é ou não necessária a atuação do perito. Isso é tarefa para os próprios peritos dizerem e respeita a autonomia preconizada para os integrantes dos cargos da Perícia Oficial. Essa possibilidade deve ser aferida pelos próprios peritos oficiais.

Segundo o senso comum, vestígio de um delito é “Todo e qualquer elemento sensível encontrado no local do crime, na vítima ou no suspeito de ter sido o autor do ilícito penal”. Observem o equívoco nesta definição, pois um “elemento sensível” pode ser encontrado fora do local do crime, e mesmo assim seria um vestígio.

Vamos tentar melhorar essa definição acima, acrescentando que um elemento sensível também pode ser encontrado fora do local de um delito, ficando dessa forma: vestígio material de um delito é todo e qualquer elemento sensível ao delito relacionado, encontrado ou não em um local examinado, em objetos, na vítima ou no suspeito de ter sido o autor do ilícito penal ou em quem para o ilícito corrobore.

Relembrando que estamos defendendo que o “corpo de delito” só se configura como tal após a chancela de um juiz confirmando tratar-se um fato de uma infração penal. Logo, a definição acima seria correta para “vestígios de uma infração penal”. Mas, não se convolando um acontecimento em uma infração penal pelo juiz, teríamos: vestígio é todo e qualquer elemento sensível ao fato relacionado, encontrado ou não em um local examinado, em objetos, na vítima ou no suspeito de ter sido o autor do fato ou em quem para ele corrobore.

Seria, neste caso, como já dissemos, um exame pericial de um fato, e não um exame de corpo de delito.

Há várias subdivisões relacionadas aos vestígios com vistas à comprovação da materialidade, e nosso objetivo não é definir cada uma delas. Basicamente, elencamos nesse texto duas delas: aquelas ligadas à comprovação da existência de uma infração penal (ou fato) e aquelas ligadas à comprovação da autoria. Ambas de suma importância e indissociáveis, pois a inexistência da infração é causa para absolvição sumária, e a inexistência de autoria é causa para a impunidade.

Não há que se confundir prova da existência de um fato ou de um delito com vestígio aferível por meio de prova pericial. Mas, essa confusão é feita diariamente.

Por fim, lembramos que: quando um vestígio, através de sua interpretação, puder levar a materialização da infração e a indícios de autoria, estamos diante do que tecnicamente se denominaria infração penal.

6) EXAME DE CORPO DE DELITO:

Costumam dizer que “o exame de corpo de delito é a comprovação pericial dos elementos objetivos do tipo; o exame inspecional do corpo de delito”. Ou: “A finalidade do exame de corpo de delito é comprovar a existência dos elementos do fato típico dos delitos “FACTI  PERMANENTIS”.

Não vamos entrar profundamente no debate sobre os elementos do tipo penal, mas para continuarmos a jogar nossa bola devemos postar que os elementos do fato típico, lato senso, são:

1) conduta dolosa ou culposa;

2) resultado (nos crimes materiais);

3) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (nos crimes materiais);

4) tipicidade (enquadramento do fato material a uma norma penal).

Elementos objetivos ou descritivos: são aqueles cujo significado depende de mera observação, tornando desnecessária qualquer interpretação. Todos os núcleos (verbos) do tipo constituem elementos objetivos (exemplos: matar, falsificar etc.). São aqueles que independem de juízo de valor, existem concretamente no mundo (exemplos: mulher, coisa móvel, filho etc.). Se um tipo penal possui somente elementos objetivos, ele oferece segurança máxima ao cidadão, visto que, qualquer que seja o aplicador da lei, a interpretação será a mesma. É o chamado tipo normal, pois é normal o tipo penal que ofereça segurança máxima.”

Delitos “factis permanentis” são aqueles que deixam vestígios. Não obstante, conforme descrevemos linhas atrás, nem todo delito “factis permanentes” deixa vestígio, o que não impede a realização do exame do delito ou do fato por perito. Essas remissões para a atuação do perito à lei ou aos aspectos doutrinários dos crimes afiguram-se atentatórias à autonomia funcional.

Vejamos um exemplo: alguém, num lugar deserto, visualiza duas pessoas discutindo num barco a certo ponto dentro do mar. De repente, uma das pessoas se levanta, saca uma arma e mata a outra, que cai no mar e é totalmente devorada por peixes. Nenhum vestígio é encontrado nem no barco e nem no autor e a única prova existente é a testemunha que presenciou o fato.

Um crime material, homicídio, que não deixou qualquer vestígio, nem da vítima e nem da presença do homicida. Entretanto, só após a realização de exame por perito poderá se afirmar se foi possível ou não o encontro de vestígios nos objetos do crime. Não se pode dizer de antemão ao perito que esse crime não deixou vestígios. E muito menos impor sua atuação direta sobre o fato, pois pode não existir vestígios a serem levantados. Também não é caso para a absolvição do criminoso, sob a alegação de que não há vestígio a ser periciado, haja vista a existência da prova testemunhal que, somada a outros fatores, pode corroborar para a existência do crime.

Isso exemplifica porque nos colocamos contrários remeter a atuação dos peritos oficiais aos crimes que deixam vestígios como algo que emana basicamente das leis ou da vontade de autoridades, policiais ou não, não ligadas à perícia. Além de ferir a autonomia da Perícia Oficial, ainda deixa nas mãos de pessoas não abalizadas para o levantamento de provas periciais contra os criminosos o poder de inferir se em um delito deve ou não ser necessária a atuação dos peritos oficiais.

Vejamos duas opiniões:

1) “Portanto, quando se fala em materialidade do delito, obviamente não se está falando de exame pericial, como parece ter entendido o v. acórdão acima mencionado, porque exame de corpo de delito é apenas o “exame inspecional do fato”, sendo unicamente um dos meios usados para retratar o corpo de delito. Este existirá sempre que algum crime ocorrer; já aquele, só será viável quando se tratar de infração que deixa vestígios”.

2) “Dessa forma, forçoso é concluir que em nenhuma hipótese pode ser dispensada, para a condenação, a prova da materialidade da infração penal, seja ela material, formal ou de mera conduta, visto que a materialidade nada mais é que a própria demonstração da realidade da existência do crime. O que pode ser dispensado, conforme a hipótese, é o exame de corpo de delito, pois a infração pode não deixar vestígios”.

Um pouco melhor do que se encontra habitualmente na internet, mas ainda distante do que defendemos. Mas, essa discussão já vem se formando na doutrina.

Se um fato ou delito deixou vestígio material aferível ou não por meio de prova pericial, somente um perito poderá dizer. E se esse exame se configurará num exame pericial de um fato ou em exame de corpo de delito, somente após a análise de um juiz. Não se pode, entretanto, confundir materialidade do delito com vestígio material do delito. A materialidade do delito se dá por qualquer meio de prova; já os vestígios materiais do delito são seus elementos sensíveis aferíveis pelos peritos oficiais.

Exatamente por esse motivo o art. 159 do CPP aparece com redação mais atualizada: “Art. 159 – O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”. O termo “e outras perícias” vem corroborar para que seja remetido aos peritos oficiais a realização de exames outros que não os exames de corpo de delito. Isso fica evidente diante da inexistência de palavras inúteis nas leis.

Observemos que esse termo não se refere ao denominado “exame de corpo de delito indireto”, pois se assim o fosse a referência estaria ligada à primeira parte do art. 159. A abrangência do termo deve ir sendo dirimida pela jurisprudência ao longo do tempo, mas compete aos peritos oficiais utilizá-la em proveito do cargo e da sociedade.

Pensamos, por fim e diante do que foi explanado até o presente, que compete à Perícia Oficial, em toda e qualquer infração penal ocorrida, decidir se se trata ou não de um acontecimento que impõe a intervenção de seus serviços, independente dos tipos ou classificações dadas pela doutrina ou pelas leis.

Analisando um fato com viés criminal, e observando ser necessária ou desnecessária sua atuação, o perito faria uma perícia ou um relato expondo sua opinião e os motivos pelos quais deixou de considerar sua intervenção como importante naquele fato (qualquer fato).

Assim como a Perícia Oficial não pode dizer a um juiz se um fato se trata ou não de uma infração penal, da mesma forma não pode o juiz, as leis, o delegado ou quem quer que seja impor ao perito que realize seu mister, sob pena de ferir a autonomia funcional.

Quem deve “julgar” se um local, ou uma dada situação, é ou não passível de realização de perícia é o próprio perito oficial.  

7 –  A QUEM COMPETE INDICAR A MATERIALIDADE E A AUTORIA 

Sem dúvida alguma, todo e qualquer perito oficial devidamente preparado pelo Estado para tanto. Geralmente, essa preparação advém das atribuições dos cargos, que passam a ser exercidas no ato da nomeação e de aprimoramento nos órgãos incumbidos dessa tarefa.

Entretanto, as atribuições estão contidas em normatizações de cada um desses órgãos, não havendo na lei processual nem indicação e nem especificação de qual dos peritos oficiais irá exercer uma ou outra atividade.

Portanto, se o Estado preparar um perito odontolegista para atuar em locais de crimes no levantamento de vestígios materiais, nada há que impeça essa atribuição, haja vista que o órgão legalmente incumbido dessa tarefa assim entendeu ser prático e suficiente.

Exatamente porque os termos “perito criminal” e “perito oficial”, contidos no CPP são termos latos, de cunho genérico, aplicáveis àqueles peritos estatais com atribuições de carrear aos autos processuais a materialização de vestígios encontrados em locais de crimes.

Não existe na legislação um perito específico para materializar vestígios; bem como não existe na legislação perito específico para buscar autoria. Sendo oficial, portanto investido pelo Estado, o que vai determinar sua atuação são suas atribuições e o preparo que lhe for dado no seu ingresso no cargo.

Todos os peritos oficiais constatam materialidade e buscam a autoria dos delitos. Por meio de uma prova escrita, o perito constata a materialidade e busca o autor. Por meio de uma prova balística, o perito constata a materialidade e busca a autoria. Por meio de uma impressão papilar, o perito constata a materialidade e busca a autoria.

Escritos fornecem meios de se alcançar quem os produziu. Ranhuras balísticas fornecem meios de se alcançar que arma e quem disparou o tiro. Documentos fornecem meios de se alcançar quem os produziu ou utilizou. Impressões papilares fornecem meios de se alcançar quem as produziu.

No que tange à prova pericial, em sentido geral, os meios de se chegar à autoria e à materialidade são diretamente proporcionais ao interesse do Estado em fornecer meios de combate à criminalidade e à impunidade. Estados sérios, perícia eficiente; Estados fanfarrões, arremedo de perícia.

Tudo depende de como o Estado investe e quer preparar seu corpo pericial!

Antônio Tadeu Nicoletti Pereira

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